terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Visita - Celina Hamilton Albornoz

Visita



Nesta mesma data, há tempos, me alojava na preguiça do entre festas e a tíbia brisa do verão. Costumava chegar à casa da tia e encontrá-la na penumbra para espantar o mormaço, envolta em perfume de flores que enchiam os vasos distribuídos pela casa. Seus pés pousavam em um puff, os braços encremados, as veias da mão salientes se destacando entre as jóias que a enfeitava. Possuía um anel com uma pedra opaca, azulada, uma água marinha lapidada de forma inesperada, moderna. E a pulseira de placas com esmeraldas. Não tudo usado junto, claro, mas a memória, sôfrega, mais rápida do que as lembranças, fica louca para trazer todos os detalhes e os mistura. Nem sei de onde veio o sentimento reconfortante, o abraço terno que talvez em vida eu nunca tenha recebido dela e que hoje, por causa do ar morno entrando pela janela, do sentimento que me fez voltar ao antigamente, sinto me apertando carinhosamente os braços. Feliz como eu era então naquela contingência, permeada pela realidade, verdadeira, a sensação está comigo. Trago em mim, como diria Fernando Pessoa, todos os sentimentos que há no mundo. De vez em quando, abro a porta e eles vêem me visitar.

Celina Hamilton Albornoz

Cadeira n° 28

2 comentários:

  1. Este é um texto de cunho afetivo da presidente da Academia Santanense de Letras. Agradeço, pela gentileza de enriquecer minha página,à querida confrade.

    ResponderExcluir
  2. obrigada pelo comentário, mas gostaria de esclarecer que quando digo que é "uma nota de cunho afetivo", estou tentando definir a origem do texto, que se torna uma "nota de ficção" ao tentar expressar sensações deslocadas do tempo real. Sempre somos traidos pela recriação quando tentamos colocar no papel a descrição de lembranças. Por isso, mesmo as autobiografias não conseguem ser fiéis ao que se propõem. Celina- anônima(?)

    ResponderExcluir